FUCVAM |
SEMINARIO
INTERNACIONAL |
1.
Identificação da Experiência
1.1.
Título:
Fundo
Rotativo de Crédito
para
Financiamento de Cooperativas Habitacionais
1.2.
Entidade
Promotora:
Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião
1.3.
Local:
Rio de Janeiro
1.4.
Autor
da ficha:
Ricardo de Gouvêa Corrêa
1.5.
Breve
Caracterização do Caso:
Fundo
de crédito para o financiamento da construção
e/ ou reconstrução de moradias por cooperativas habitacionais em regime de co-gestão
e ajuda mútua, em favelas e periferias da cidade. A Fundação
fornece assessoria nas áreas jurídica, social, construtiva e
administrativa. Já foram fornecidos 157 créditos (90 unidades construídas e
67 em construção) e no mínimo 80 serão contratadas em 2002. A experiência
foi concebida como alternativa às políticas públicas para o setor, tendo em
vista a inexistência de linhas de financiamento que permitam seu acesso pela
população pobre, quanto que também se desenvolvam através da participação
e da organização popular.
2.
História, antecedentes e contexto
A região metropolitana do Rio de Janeiro possui um déficit
de 300 mil moradias, sendo 226 mil demandadas por famílias com renda familiar
até 5 salários mínimos (U$ 360). Neste cálculo se inclui tanto a demanda
quantitativa (famílias sem teto, morando com parentes ou pagando aluguel que
comprometa mais do que 30% de sua renda), como também se considera o déficit
qualitativo (precariedade construtiva e/ ou inexistência de infra estrutura
urbana) - fonte IPPUR/ Fase.
Esta faixa da população, com renda de até 5 salários
mínimo, historicamente resolveu sua demanda por moradia sozinha, sem
financiamento público ou privado, sem assessoria técnica, sem segurança na
terra, sem infra estrutura urbana e/ ou com infra estrutura
clandestina. São as favelas e os loteamentos irregulares surgidos na
cidade nos último 60 anos, onde moram no mínimo 30 % da população. Apesar de
inúmeros de seus aspectos positivos (culturais, humanos, etc.), tais
comunidades apresentam expressivas precariedades físicas e sócio econômicas.
Hoje, após décadas de lutas, a urbanização das
favelas é progressivamente aceita pela sociedade, sendo também
progressivamente implementada pelo poder público, ainda que de forma lenta,
orientada pela ótica assistencialista e motivada por interesses eleitorais.
Quanto à unidade habitacional, inexistem programas
de financiamento para reconstrução dos barracos precários nas favelas e de
produção de novos núcleos para os sem teto.
O projeto da Fundação opera neste vácuo, e lida
tanto com a reconstrução de barracos em favelas como com a construção de
novas unidades em terrenos adquiridos para este fim.
O processo teve início em 1993, quando foi realizado intercâmbio com as Cooperativas Habitacionais Uruguaias, do qual tomaram parte técnicos e líderes dos dois países; em 1994/ 95 empreendeu-se a busca por recursos para a viabilização de 3 cooperativas modelo; em 1996 iniciaram-se as obras (90 unidades); em 1998 as casas foram concluídas; em 1998/ 99 o Fundo não financiou novas unidades, pois os recursos existentes eram os das prestações, insuficientes para tal, promovendo-se então uma capitalização dos mesmos e a busca por novas fontes de financiamento; em 2000 o Fundo contrata 67 novas unidades (3 núcleos); em 2001 se realiza o treinamento e se iniciam as obras; e em 2002 no mínimo 80 unidades serão contratadas.
3.
Objetivos, estratégias e alcances
São objetivos do projeto:
·
Desenvolver
a solidariedade e a consciência cidadã da população pobre da cidade, através
da educação e da prática cooperativista, ampliando-lhes o exercício de seus
direitos;
·
Melhorar
a situação de Habitat destas famílias;
·
Elevar
seu nível de emprego e renda, fortalecendo
a economia solidária;
·
Constituir-se
em experiência referencial para que se possa lutar pelo desenho e implementação
de uma política pública que através de seus mecanismos financeiros atinja a
população pobre, como também que conte com a participação e o controle
popular em sua execução;
São critérios estratégicos:
·
Contribuir
para a superação de dificuldades sociais e econômicas pessoais e/ ou
familiares (tais como alcoolismo, desemprego, etc.);
·
Identificar
e capacitar lideranças;
·
Valorizar
o papel da mulher, superando discriminações e favorecendo relações equânimes
de gênero;
Das 5 cooperativas apoiadas, todas são urbanas,
sendo 3 em áreas centrais e duas na periferia. Duas destas cooperativas se
localizam em favelas, sendo que uma reconstruiu todas as unidades existentes, e
outra as unidades em situação de risco dispersas pela comunidade; duas foram
implantadas em terrenos vazios na malha urbana, comprados pelos cooperados, que
moravam de aluguel ou em casas de parentes e uma última foi implantada em uma
área livre dentro de um conjunto habitacional popular, envolvendo famílias que
lá moravam de aluguel.
O modelo de produção habitacional por cooperativas
populares, através da gestão participativa e da ajuda mútua é inovador na
cidade do Rio de Janeiro.
A existência de uma linha de crédito que permite
seu acesso pelos mais pobres, em função de
seu desenho financeiro (principalmente pelos subsídios existentes), que
é administrada por uma ong e que conta com a participação da população
beneficiada, através de suas representações, em seu conselho de gestão, são
outras das características inovadoras desta experiência.
4.
Atores envolvidos e papeis desempenhados
Os atores envolvidos são: a
população organizada em cooperativas, responsáveis pela gestão ou co-gestão
do processo (junto com a Fundação, sendo maior ou menor sua autonomia
resultante do nível de sua organização interna), vindo esta população também
a aportar horas na construção das unidades (17 horas por família por semana);
a Fundação, na co-gestão e/ ou na
assessoria nas áreas social, jurídica, construtiva e administrativa, sendo
também responsável pela captação
de recursos e a administração do Fundo Rotativo; a cooperação internacional com a alocação de recursos; os governos
municipais e estadual com a cessão de terrenos/ regularização
fundiária e a implantação de infra-estrutura; e finalmente grupos de base ligados a igrejas e movimentos sociais,
apoiando na criação, mobilização e a organização das famílias.
5.
Componentes do Projeto
É política do fundo não financiar a compra de
terrenos, tanto porque isto absorveria muitos recursos, quanto por estratégia,
visando com isto articular o poder público, responsável então por este
componente. Entretanto, em função da dificuldade no acesso a terra, uma
cooperativa obteve excepcionalmente crédito para este fim. Quanto às outras,
uma comprou o terreno financiado em condições especiais pela igreja local;
outra já ocupava o terreno com barracos precários, se dando no momento a
regularização fundiária do mesmo. Apenas duas portanto tiveram seu acesso a
terra e/ ou a regularização da que ocupavam através da participação do
poder público municipal.
As moradias são entregues prontas, com sala, dois
quartos, cozinha e banheiro, possuindo metragem entre 42 e 48 metros quadrados.
Em uma cooperativa, as famílias optaram por uma unidade maior, de 60 metros
quadrados, ficando os acabamentos por conta das mesmas (pintura, esquadrias,
etc.), tendo o custo final se equiparado ao das unidades acabadas de 42/46 m2.
As tipologias arquitetônicas variam, sendo
elaborados projetos específicos de acordo com as condições físicas e aspirações
do grupo. A densidade do assentamento e o tamanho dos lotes são conseqüência
direta da proximidade dos mesmos em
relação ao centro da cidade, em função do custo do terreno, mais barato
quanto mais periférica a localização. Assim sendo, comunidades mais centrais,
que em função do custo da terra são constituídas por lotes exíguos, geram
uma ocupação vertical, que tanto pode ser da mesma unidade distribuída em
dois pavimentos, quanto por unidades diferentes superpostas (ver ilustração
1). Cooperativas localizadas em bairros mais distantes permitem a construção
da unidade e mesmo a previsão de uma futura ampliação horizontalmente, tendo
em vista as maiores dimensões do lote, o que de resto barateia a construção
como um todo, por permitirem um sistema estrutural simplificado (ilustrações 4
e 5). Os projetos sempre reservam uma área livre para a convivência da
comunidade, e quando a situação permite, constrói e/ ou reserva espaço para
a construção de um centro comunitário.
Dada a inexistência de um movimento social de
moradia a nível regional, os grupos que surgiram neste processo o fizeram em
função de sua demanda imediata e particular por moradia, com reduzido ou
nenhum nível de organização prévia. Duas das cooperativas contaram com o
apoio de grupos locais (ligados a movimentos sociais de base da igreja católica)
para sua formação e estruturação; outro grupo surgiu de uma cooperativa que
já havia concluído seu processo de construção das unidades e os outros dois
se formaram na luta pelo acesso a terra.
Uma vez obtida a terra e os recursos financeiros, é
realizada uma capacitação inicial dos cooperados. Nesta fase se trabalha o espírito
cooperativista e seus instrumentos, dentre os quais suas representações (diretoria
e comissões), com suas funções, responsabilidades e aptidões requeridas,
seguindo-se um processo de escolha de seus integrantes.
Além da diretoria, com a função de representação
externa e coordenação interna dos trabalhos, constituem-se duas comissões, a
de obras, responsável pela organização do canteiro e do mutirão (mútua
ajuda), compra e guarda dos materiais, etc. e a comissão de mobilização,
responsável pelo acompanhamento e coordenação das atividades sociais
(controle das horas dos cooperados, acompanhamento e encaminhamento de demandas
sociais, tais como desemprego, alcoolismo, violência doméstica, etc.).
Durante o desenvolvimento das atividades, reuniões e
assembléias periódicas são realizadas visando a avaliação e planejamento
dos trabalhos, desenvolvendo-se portanto um processo que articula mecanismos de
democracia participativa com mecanismos de democracia direta.
É objetivo do projeto a conquista da autonomia e
auto gestão plena destes grupos. Tal objetivo é perseguido através da criação
de instrumentos, canais e capacitações que viabilizem uma crescente participação
dos cooperados em todas a etapas do processo. Dada a característica de serem
grupos em formação, e dado o trabalho social insuficiente realizado pela Fundação
(ver item 7 deste documento), o nível de organização, mobilização e por
conseguinte de autonomia atingido pelas 3 primeiras Cooperativas foi limitado. A
demanda por trabalho social foi maior do que o implementado, tanto em termos
quantitativos quanto qualitativos.
Com base na experiência acumulada, o projeto
reavaliou o peso e as estratégias de sua intervenção social. Também foi
realizada uma pesquisa levantando dados em torno das relações de gênero
existentes, que igualmente colaboram para a redefinição das estratégias
sociais, visando-se com tudo isto obter maior densidade e eficácia.
Em termos econômicos, observam-se fortalecimentos em
quatro direções[1]:
·
Em
função da melhora em suas condições de moradia, há uma conseqüente melhora
na qualidade de vida do trabalhador (qualidade do sono, da convivência familiar
e da alimentação, esta em função da melhoria salarial obtida pelas razões
expostas a seguir); esta melhora da qualidade de vida por sua vez potencializa o
rendimento profissional destes trabalhadores, o que muito provavelmente acarreta,
a médio e longo prazo, no desenvolvimento profissional e na melhoria salarial
dos mesmos.
·
Em
três das cinco cooperativas trabalhadas, havia/ há um grande número de
pessoas morando de aluguel. Tais famílias pagam ou pagarão para o fundo rotativo uma prestação entre 1/3 e 1/4 destes aluguéis (em
média U$ 60/ 80, para uma prestação situada entre U$ 20 e U$ 25); tais famílias
portanto comprometiam algo em torno de 35% de suas rendas familiares com moradia,
passando para um comprometimento em torno de 10%;
·
Com
o treinamento e a prática durante o processo de ajuda mútua/ mutirão, muitos
dos homens, que anteriormente não possuíam qualquer habilidade ou experiência
em construção civil, ingressam profissionalmente neste ramo de atividades;
·
Como
fruto do processo de união e solidariedade, duas das três cooperativas da
primeira fase implementaram atividades de geração de renda com mulheres (cozinhas
para produção e venda de refeições).
6.
Principais Instrumentos Utilizados
Em relação aos aspectos sócio organizativos, o
texto já os descreveu anteriormente: Cooperativas Habitacionais Mistas; comissões
de mobilização e obras; construção por ajuda mútua; assembléias
deliberativas; capacitação inicial concentrada das famílias, que se constitui
em única atividade no período (aproximadamente 2/ 3 meses); capacitação
continuada durante todo o processo; plano de capacitação e desenvolvimento das
potencialidades das lideranças identificadas; articulação destas lideranças
e das cooperativas com outros atores e experiências; circulação permanente e
transparente de informações, especialmente as de natureza financeira.
Em relação aos instrumentos financeiros, as famílias
beneficiadas, que devem ter uma renda familiar de até 5 salários mínimos
(aproximadamente U$ 360), recebem um empréstimo em 8 anos com juros simples
entre 0 e 3 %. Cabe dizer que os juros no Brasil hoje podem chegar a 100% ao ano
(empréstimos bancários), sendo que os juros habitacionais para a população
de até 5 salários mínimos, praticados por um banco público, estão entre 6/
8% ao ano (juros compostos).
O valor do empréstimo é constituído pelo custo do
material de construção empregado, pelas ferramentas, instalação do canteiro
de obras e pela pequena mão de obra especializada que é contratada. A
assessoria técnica fornecida pela Fundação não compõe o empréstimo, sendo
gratuita. Em valores atuais, estas unidades, com 46 metros quadrados, estão
resultando em um empréstimo de aproximadamente U$ 2.200. Como já dito, isto
gera uma prestação entre U$ 20 e U$ 25 (10% da renda familiar).
Em relação aos instrumentos jurídicos, os grupos são
regularizados como Cooperativas Habitacionais e Mistas. Desta forma, além de
permitirem o processo de produção habitacional, por serem mistas, permitem
também que os cooperados possam comercializar produtos e/ ou serviços, a
partir da implantação de unidades de geração de renda, o que também
constitui-se em meta do projeto.
Contratos são firmados entre a Fundação, gestora
do fundo rotativo, e a Cooperativa, que por sua vez realiza contratos com cada
um de seus cooperados. Ainda quanto aos instrumentos jurídicos, cabe destacar a
elaboração de um regimento interno para o processo de construção das
unidades (estipulando horas a serem trabalhadas, horários, responsabilidades,
etc.), regimento este discutido e aprovado em assembléia.
7.
Conquistas e Principais Lições Aprendidas
Os impactos sobre os participantes são visíveis,
nos planos da dignificação humana, com elevação da confiança e estima por
si e pelo grupo ao qual pertencem; a melhoria profissional/ salarial de que já
se falou; ídem em relação a melhoria das condições materiais de vida; a
articulação com outros grupos e atores, ampliando-se horizontes; a educação
na cidadania; etc.
Uma outra conquista importante refere-se à qualidade
construtiva e arquitetônica das intervenções, a um custo final relativamente
baixo. A cultura da produção habitacional no país é a da precariedade
construtiva/ arquitetônica/ urbanística, o que encobre uma postura discriminatória,
ao admitir padrões inferiores por ser direcionada para os pobres. Esta cultura
encobre também uma visão econômica imediatista e limitada, ao se comparar a
relação custo/ benefício, ponderando-se os recursos investidos na construção
e sua durabilidade, investimento este que com pequena elevação potencializaria
enormemente a vida útil destas unidades.
Dentre os principais obstáculos, destacamos três. O
primeiro refere-se ao envolvimento do poder público, estratégico dentre os
objetivos do projeto. Várias articulações foram estabelecidas, mas todas sem
conseqüência. As razões são algumas: mudanças dos governos ou mesmo dos
atores de um mesmo governo, neste caso em função da instabilidade e
fragilidade da proposta política dos governantes, que ficam a reboque de
disputas e processos menores; a ausência de uma cultura de construção e
implementação de políticas públicas sustentáveis e universalistas; a auto
referência do poder público, que tanto se sente como único ator com
legitimidade para atuar na esfera pública/ social, como não sente necessidade
de tecer parcerias que complementem e ampliem suas intervenções; a visão
utilitarista em relação à população pobre, vista não como objeto de
direitos e auto determinação, mas de caridade e de utilitarismo eleitoral.
Outra gama de obstáculos refere-se ao fato de não
existir na região um movimento social estruturado, orgânico e amplo, no campo
da moradia. Em outros lugares onde isto se dá, o papel de uma organização não
governamental é de suporte e assessoria. No caso que vivenciamos há a
necessidade de desempenharmos outros papéis: de mobilização, articulação,
treinamento, etc. Buscamos manter a vigilância para não ultrapassarmos
fronteiras, dado termos consciência de que nossa natureza é específica,
atuando no campo mencionado de forma suplementar e provisória. Cabe também
lembrar que a questão dos atores sociais e/ ou dos papéis a serem
desempenhados pelos mesmos passa por reconfigurações, constituindo-se um
panorama nebuloso.
A questão apontada no parágrafo anterior esta na
base também dos problemas mencionados na página 3, que trata da insuficiência
do trabalho social desenvolvido pela Fundação na primeira etapa do projeto.
Também cabe destacar neste campo a questão das lideranças, que em função do
quadro exposto, freqüentemente reproduzem posturas individualistas e autoritárias.
Tal procedimento trouxe em certos
casos conseqüências negativas definitivas para o resultado final daquela
intervenção, no que se refere aos seus resultados sociais (organização e
democracia interna, sustentabilidade do grupo, etc.).
Por fim, um último universo de problemas refere-se
ao pagamento das prestações. Observa-se aqui também uma relação direta
entre o nível de amadurecimento e organização interna, a postura democrática
das lideranças e o nível da
inadimplência. Ela é baixa na cooperativa mais organizada; média na
cooperativa medianamente estruturada e elevada numa comunidade, onde além dos
problemas enfrentados com as lideranças, também enfrentaram-se sérios obstáculos
com o tráfico de drogas, que é em si um obstáculo estrutural e dramático
para qualquer ação que vise a organização da população pobre na cidade do
Rio de Janeiro.
8.
Palavras Chave
Cooperativismo; fundo rotativo; co-gestão; ajuda mútua; qualidade construtiva-arquitetônica; baixo custo; reconstrução em favelas; novos núcleos; políticas públicas.
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