Tobin or
not Tobin
Alexandre
Comin
Atendendo
à sugestão do núcleo de São Paulo do Attac, preparei uma exposição (no dia 5/8/99)
sobre o livro Tobin or not Tobin, de François Chesnais, que deverá em breve ser
publicado pelo Attac. Dada a riqueza do livro, tive de me ater a apenas alguns temas, e
portanto esta pequena resenha está longe de refletir o conteúdo do livro. Na prática, o
texto que se segue é pouco mais do que uma colagem de trechos que me pareceram mais
relevantes para o momento atual da construção do Attac. Optei por fazer a exposição em
torno de algumas questões, sempre procurando esclarecer o que está em jogo em nossa
proposta de taxação das operações financeiras.
Qual
a questão?
As
moedas são unidades de cálculo e meios de troca. Também podem ser reservas de riqueza,
mas não têm, em si mesmas, a propriedade nem a virtude de gerar fluxos de renda.
No
que se refere às obrigações e às ações, a coisa é bem diferente. Nesse caso,
trata-se de títulos bônus do Tesouro e outros papéis da dívida ou obrigações e
ações que representam também pretensões de participar da partilha do valor em
uma data determinada, quer dizer da divisão das riquezas que deverão ser criadas para
que essas pretensões sejam satisfeitas
Portanto,
estamos falando de mecanismos de transferência de riqueza.
O
que está em questão é o caráter sistêmico do regime mundializado de finanças de
mercado, bem como os fundamentos rentistas dos mecanismos de apropriação e de
transferência internacional do valor e das riquezas.
Como
esse regime começou?
Sucintamente,
pode-se distinguir cinco momentos mais importantes para a formação do regime
mundializado de finanças de mercado:
1.
O abandono do cambio fixo em 1971 e a adoção, dois anos mais tarde, de um sistema de
taxas de câmbio flutuantes, nas quais os operadores finaceiros privados desempenham um
papel importante na determinação dos preços relativos das moedas (as taxas de câmbio).
2.
Aa transformação dos papéis da dívida pública em títulos constituíram o segundo
grande passo fundador da mundialização financeira. O mercado de títulos da dívida
pública é a "pedra angular" da globalização financeira.
3.
Atingiu-se o terceiro passo no decurso da segunda metade dos anos oitenta, sob a forma do
"big bang" na City, e depois em todas as Bolsas, ou seja através da
liberalização e da desregulamentação dos mercados de ações.
4.
Os anos 1980 assistiram a adoção de medidas pelos outros países da OCDE, segundo
particularidades e ritmos variáveis, e em alguns casos, dificuldades específicas, que
geraram sérias crises, notadamente no Japão. Ainda restava impor um novo regime
financeiro juntamente com o regime de acumulação predominantemente financeira por todo o
planeta.
5.
Os anos 1990 estiveram sob o signo da integração daqueles países que não são membros
da OCDE - países considerados de "economia de transição" (os Estados da ex-
URSS e países do Leste) ou "países emergentes, isto é, de industrialização
recente da Ásia e da América Latina - nos quais a liberalização e desregulamentação
financeiras eram particularmente interessantes aos especuladores financeiros estrangeiros.
Esta integração foi fortemente "encorajada" pelo FMI, pelo Banco Mundial, e
pelo governo americano. Na América Latina e em alguns países da Ásia essa manobra teve
como base novas formas de aliança entre a oligarquia financeira desses países e os
Estados Unidos.
Resumo:
a globalização não é uma coisanatural, ela é fruto de décadas de uma orientação
econômica vinda do centro do sistema, que é imposto aos demais; sua palavra de ordem é
a liberdade ao movimento do capital, em todas suas formas.
Qual
o resultado?
Antes
de tudo, uma volatilidade e uma instabilidade extremamente elevadas que asseguram lucros
muito altos às instituições financeiras e aos detentores dos ativos. Mas não podemos
nos fixar penas nesse aspecto sob pena de ficarmos na superfície das coisas. Por trás da
especulação há uma ecomomia marcada por uma imensa acumulação de títulos de crédito
de caráter rentista que afirmam fortemente sua pretenção de parceria com a produção
existente e com a vindoura
É
preciso então examinar:
Quais
os mecanismos, isto é, as relações entre os agentes?
A
liberalização e a desregulamentação finaceiras maltrataram os bancos, ao mesmo tempo
em que os liberaram das tutelas que garantiam que a criação de crédito permanecesse sua
atividade prioritária. A liberalização e a desregulamentação financeiras permitiram
aos grandes fundos de investimento lançarem-se às atividades de empréstimo às empresas
que eram os clientes preferenciais dos bancos. Com isso, os bancos foram forçados a se
lançar em atividades altamente especulativas e arriscadas.
O
papel dos bancos foi central na sucessão das crises financeiras que atingiram a Ásia em
1997 e os encontramos novamente no centro da crise financeira da Rússia.
Hoje,
entretanto, as instituições privadas mais poderosas da finança mundializada são as
instituições financeiras ditas "não bancárias": os fundos de pensão,
os fundos mútuos de investimento e as companhias de seguro.
Por
outro, o papel dos governos foi decisivo para criar um segundo mecanismo, que resulta do
jogo combinado de repartição desigual de renda, diminuição do imposto sobre os
rendimentos do capital e das altas rendas, tendo como consequência o crescimento
vertiginoso da dívida dos Estados.
Junto
com isso, as taxas de juros para sustentar estas dívidas foram crescendo. Em geral, elas
se tornaram superiores às taxas de crescimento das economias, como foi o caso na maioria
dos países da OCDE. Por causa disto, esses rendimentos formam uma "bola de
neve", isto é, a dívida cresce apenas para pagar juros, independentemente de haver
ou não déficit público.
Deste
modo, os agentes financeiros se beneficiam de transferências muito elevadas sobre as
quais eles podem basear uma acumulação de natureza financeira.
Temos
então que é a dívida dos Estados a fonte do poder dos fundos de investimento.
Nos
anos 90, depois da alta das ações em Wall Street e das outras Bolsas, a percentagem dos
títulos públicos nas carteiras dos agentes diminuiu muito. Mas nos momentos de baixa do
mercado ou de ameaça de grave crise financeira, percebemos que a preocupação com a
segurança dos investimentos traz os investidores de volta aos títulos da dívida
pública, cujo rendimento é mais baixo que o das ações desde a queda das taxas de
juros. É a chamada "fuga em direção à qualidade".
Ou
seja, a dívida pública é a âncora da globalização financeira, o refúgio da
especulação.
Enfim,
como os governos contratam esses empréstimos a taxas de juros superiores às da
inflação e às do crescimento econômico, para perfazer esse processo a dívida se
reproduz mecanicamente ano a ano. A grande parte do orçamento que é consagrada ao
serviço dos juros da dívida anterior acarreta um deficit orçamentário, que novamente
é preciso cobrir. E como? Pedindo novos empréstimos, é claro!
Temos
então a "ditadura dos credores".
Quais os montantes dessas transferências?
Com
ajuda de uma política monetária restritiva, do regime financeiro dito de "taxas de
juros reais positivas", esses juros atingiram até dez pontos de rendimentos
líquidos durante a década de 80.
A
transferência é gigantesca. Apenas o serviço anual dos juros representa 3,5 % do PIB na
França.
O
primeiro campo em que os fundos de investimento manifestaram seu poderio foi justamente o
mercado de câmbio. E os ganhos são muito concentrados: em Londres 43% e em Nova Iorque
40% das transações foram realizadas pelos dez maiores bancos do mercado.
O
segundo grupo de protagonistas presentes na grande especulação de câmbio, como as de
1992 e 1993, são os fundos especulativos especializados.
Para
o FMI foi a intervenção dos investidores institucionais, agrupando principalmente os
fundos de previdência privada, as companhias de seguros e por fim os fundos de
investimento financeiro, que tiveram atuação decisiva. Eles são o fato novo da crise de
câmbio em 1992 (da mesma forma 1993) e responsáveis pelos seu desfecho. Os ativos desses
fundos são tão grandes que ainda que uma apenas uma fração das carteiras de
investimento em divisas e títulos ou outros ativos financeiros possa ser movimentada,
ainda assim o efeito desestabilizante desencadeado sobre os mercados (de câmbio e
títulos) dos fluxos finaceiros institucionais é imenso.
A
soma dos recursos, só nos EUA, de todos estes agentes atingia a soma de 11 trilhões e
343 bilhões de dólares, correspondente a 138% do PIB do país e a 1/3 do PIB mundial.
Em
1995, o montante dos ativos financeiros dos investidores institucionais dos países da
OCDE (98% do total mundial), elevava-se a 21 trilhões de dólares, ou seja, 2/3 do PIB de
todo o planeta.
Eles
têm uma necessidade cada vez maior de diversificar seus investimentos e aumentar a sua
atuação nos mercados internacionais. Isso porque estão empenhados em obter taxas de
retorno de aproximadamente 15%.
E
então esta imensa riqueza concentrada invade o mundo com sua sede de rendimentos.
Paralelamente
a isso os movimentos de investimentos nos diversos mercados financeiros internacionais
onde se negociam as obrigações dos Estados e as moedas forçam cada vez mais os países
e seus governos a se submeter a normas convergentes de política econômica caracterizada
pelo rigor orçamentário, a manutenção de elevadas taxas de juro e câmbio. Passam a
depender do jogo do mercado, ou mais precisamente das avaliações e das estratégias
adotadas pelos maiores investidores nos mercados de câmbio. Eles passaram a agir em
função dos indicadores econômicos fundamentais de cada moeda inflação,
déficit orçamentário, balança comercial, dívida pública, fatores que a partir dos
anos 90 serviram como base para a política de austeridade.
Mas
é frequentemente em função de critérios relevantes das moedas consideradas como ativos
financeiros que os operadores especializados do mercado de câmbio balizam sua atuação e
determinam seu comportamento. O mercado de câmbio é pois o terreno propício para
pequenas operações de especulação incessante, com um carácter parasitário, e para
ataques de grande envergadura contra moedas determinadas.
São
tomadas de posição no mercado motivadas exclusivamente pela espera de uma modificação
do preço do ativo sobre a qual aquelas foram realizadas. Enfim, é uma operação que
não cria nada, que não produz nada de novo, que só tem por objetivo a obtenção de
lucro em operações de revenda.
Como
as operações cambiais entram na história?
Dada
a expansão internacional dos agentes financeiros, é através das fronteiras que a
especulação se estende pelos campos tradicionais, o imobiliário a bolsas e as
matérias-primas, tendo o câmbio como ponto de passagem obrigatório.
As
operações sobre câmbio cresceram muito e se estabilizaram agora, em torno de 880 bi por
dia. Vejamos algumas de suas características:
- em 1995, 10
operadores tinham 47% das transações em NY e 40% em Londres, e a concentração é ainda
maior nas praças menores
- 8 praças tem 82%
das transações
- só 3% a 8% é
operações estão ligadas ao comércio internacional ou ao investimento direto externo,
isto é, à produção ou comercialização de riquezas genuínas
- 80% são de 4 ou
5 dias, muitas ainda mais rápidas
Posto
que estas operações de câmbio são hoje um veículo maior da especulação, o Tributo
Tobin é pensado justamente para tornar custosa a entrada no jogo da especulação. Deste
modo, usando uma TT de 0,1%, ao longo de um ano, o custo para aqueles que fazem
operações de câmbio seria de:
48%
se ele fizesse apenas operações diárias,
10%
para semanais e
2,4%
para mensais
Ou
seja, a penalidade é muito forte para os especuladores, que mudam suas posições (isto
é, de uma moeda para outra) com grande frequência, mas vai caindo nas operações
normais, isto é, ligadas ao comércio e ao investimento.
A
outra vantagem é de fazer um imposto sobre o capital superior aos demais por ser uniforme
mundialmente. Cabe lembrar que, para Tobin, o imposto seria apenas um subproduto, mas nas
ONGs que lutam pela TT, é o contrário que prevalece.
Uma
grande discussão é justamente a repartição dos recursos, as compensações para os
países (ricos) que seriam mais fortemente afetados.
Quais
são as objeções à TT?
1.
Ela afetaria o regime de câmbio flutuante, visto como o único regime admissível num
mundo irreversivemmente financeirizado. Ou seja, a especulação é inseparável das
transações, todos querem se precaver dos riscos que são inevitáveis, não há como
evitar isso.
Resposta:
mas o volume especulativo é gigante, e mesmo com a TT sobraria muita finança para cobrir
os riscos genuínos.
2.
Diz-se também que a redução da liquidez levaria a mais instabilidade.
Ora,
isto não está provado, o aumento das transações se fez junto com a ampliação sem
precedentes da instabilidade.
3.
Dificuldades práticas, sobretudo a idéia de que o esquema só funcionaria se fosse
adotados por todos, senão haveria migração do capital em direção aos países que não
adotassem a TT.
Mas
idéia não é adotar, mas usar o peso econômico da OCDE para impor a medida, como dizia
Tobin. Ou seja, o que propomos a nossos governos é que pressionem os fóruns mundiais,
que diga algo como "se os demais países quiseram, nós estamos de acordo com a
TT".
4.
Em particular, os paraísos fisciais atraíram todo o capital.
Isto
é exagerado, porque já não ocorreu, dados os impostos que já existem e que são bem
maiores do que a TT? Ademais, bastaria taxar onde a transação ocorre (como vimos, o
grosso é no interior da OCDE) para evitar fuga. Bastaria também criar um imposto
punitivo para as operações com os países que não adotam a TT.
Superadas
estas pequenas dificuldades, a TT constituir-se-á um embrião para o controle
internacional da especulação financeira. Dará mais autonomia às políticas econômicas
internas, em relação à especulação financeira sobre as moedas, auxiliará as medidas
internas de tributação das rendas financeiras, e a fiscalização pública dos
investimentos externos.
Mas
então, porque tanta oposição? Por que os governos rejeitam categoricamente a TT?
Porque, dizem seus porta-vozes, isto atingirá a liberalização financeira,
obstaculizando a irrigação do planeta com os capitais para desenvolvê-lo. Como será
visto, isto não procede.
Quais
as reformas propostas pelos governos?
No
momento, a França sofre com este mecanismo de apropriação e de transferência
internacional; seria preciso, ao contrário que ela também ganhasse: "Se nos não
mexermos, dentro de dez anos, através dos fundos de pensão anglo-saxões, uma parte do
crescimento interno financiará as pensões dos não residentes uma vez que nos não
teremos mais que nosso próprio crescimento para financiar nossas próprias
aposentadorias. Um país desenvolvido e demograficamente envelhecido como a França deve
imperativamente alargar o financiamento das sua previdência. Participando, por exemplo,
no financiamento do crescimento de um país como a China, os fundos de pensão absorverão
riquezas sobre a produção interna chinesa." (citação do Deputado Socialista J.C.
Boulard).
Ele
defende uma idéia que é simplesmente "lógica". Esta lógica é a da economia
internacional da transferência da riqueza entre as classes e as categorias sociais e
entre os países que é posta em prática em favor da liberalização e da globalização
financeiras.
Tomar
medidas contra a especulação não terá sentido a não ser que elas anunciem e sejam
acompanhadas de medidas que ataquem aos mecanismos de transferência de rendas e de
riquezas.
Quem
perde?
A
economia internacional de transferência de riquezas entre classes e categorias sociais,
assim como entre países, produz um desemprego crônico, a precariedade das relações de
trabalho, "a exigência de flexibilidade" e os baixos salários.
A
Unctad (comissão das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento) nos mostra que
a taxa de crescimento anual média da economia mundial quase não passou de 2% ao longo do
decênio 1989-1998 e a renda média mundial por pessoa caiu, ao mesmo tempo em que as
desigualdades, já muito fortes, estão ainda piores entre os países e neles
individualmente.
Ou seja, salvo o
pequeno numero de poderosos agentes, todos nós perdemos com esta liberalização sem
controle. Mas o grande argumento, de que ela propiciaria maior crescimento da riqueza,
isto é, da produção efetiva de bens e serviços, simplesmente não é verdadeira. Ao
sugar a riqueza real, o sistema financeiro na verdade está obstaculizando o crescimento
econômico, a fonte de toda a riqueza. É esta equação perversa que a TT quer inverter.
|