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Informe Nacional Brasil: Parte III

I. Visão de conjunto do setor energético no Brasil

C. Fontes energéticas disponíveis

1. Derivados de Petróleo

Em termos absolutos, o consumo de petróleo bruto que era de 63,162 milhões de m3 em 1980, alcançou em 1995 cerca de 71,150 milhões de m3, ou seja, um crescimento de 18%. É importante ressaltar que, durante este período, a dependência externa de petróleo passa de 80% (50,5 milhões de m3 importados em 1980) para 43% (29,2 milhões de m3 em 1995).

O aumento da produção nacional de petróleo, obtida basicamente através da exploração "off-shore" na Bacia de Campos (RJ), que responde atualmente por 68% da produção, foi acompanhada por uma ampliação do parque de refino, que passou de uma capacidade de operação de 1.072 bpd (barris por dia) em 1980, para 1.254 bpd em 1994, acompanhando dessa forma o crescimento do consumo.

Entretanto, o aumento dessa capacidade não foi suficiente para evitar os problemas decorrentes de vários equívocos. Um deles, identificando dois "gargalos" da estrutura de refino - o GLP e o óleo diesel - aponta para as dificuldades impostas pela necessidade de se importar quantidades crescentes do gás liquefeito de petróleo ao mesmo tempo em que se mantém o subsídio no seu consumo e, quanto ao diesel, pela opção do transporte rodoviário, responsável atualmente por 58,7% do transporte de cargas e por 96% do transporte de passageiros no Brasil, e por 95% do consumo setorial deste combustível.

Considera-se aqui a existência de limitações técnicas no perfil do parque de refino brasileiro. Nesse sentido, os equívocos apontados residem na manutenção e ampliação de um perfil de consumo absolutamente inadequado sob este ponto de vista.

Um outro equívoco diz respeito as consequências do PROALCOOL na estrutura de consumo da gasolina automotiva, e pode ser identificado nas parcelas de exportação deste combustível, e nas consequências da quantidade de veículos a álcool produzida. As proporções da chamada "conta álcool" no crescimento dos prejuízos que irão alimentar o déficit público, se constituem em outro indicador de equívoco.

No que se refere aos aspectos sociais e ambientais da produção e refino do petróleo no Brasil, eventos como o incêndio da Vila Socó (Cubatão/SP) em 1984, as explosões nas refinarias de Duque de Caxias/RJ (1990), de Manguinhos/RJ (1991), e o derramamento de petróleo decorrente do acidente marítimo do navio Penélope no canal de São Sebastião (1991), indicam a intensidade dos problemas relacionados com as condições de segurança de trabalho e com os riscos as populações próximas as instalações petrolíferas.

a. GLP-Gás Liquefeito de Petróleo

O GLP - Gás Liquefeito de Petróleo, também chamado de gás de cozinha, é obtido através do processo de refino do petróleo cru, na proporção de 5,5 a 8% de cada barril.

O consumo total de GLP que era de 4,951 milhões de m3 em 1980, alcançou 10,458 milhões de m3 em 1995, ou cerca de 5,4 milhões de toneladas por ano.

Como do processo de refino é obtido apenas 3,6 milhões de toneladas de GLP, o restante é importado a um custo muito superior ao que é determinado pelo governo, através do DNC-Departamento Nacional de Combustíveis.

As empresas de engarrafamento e distribuição formam um verdadeiro cartel: são 8 grandes grupos economicos representados por 17 empresas, sendo que 6 delas dominam 94% do mercado. Das 3 únicas fabricas de vasilhames existentes no país, duas são controladas pelas engarrafadoras/distribuidoras. O DNC, que é o órgão regulador do governo na determinação dos preços, fica sujeito as pressões e interesses destes grandes grupos.

Atualmente, o DNC procura limitar o ressarcimento aos distribuidores pelos custos de transporte na distribuição do GLP a 60% do preço máximo de venda deste derivado no posto revendedor. Ainda, o consumo máximo domiciliar de energia elétrica de 75 kWh/mes dá direito ao pagamento do "vale-gás".

Por outro lado, a existência de uma inexpressiva rede de canalização, mesmo nas grandes metrópoles brasileiras, transforma o GLP engarrafado num produto essencial de consumo domiciliar para fins de cocção mas extremamente dependente do transporte e distribuição realizados pelas empresas distribuidoras.

Ainda no que se refere ao uso final do GLP, os dados disponíveis no BEN (1995) indicam que o consumo domiciliar corresponde a 91% do total, e o industrial a 9%. Há que se ressaltar que estes dados não estão revelando a utilização indevida do GLP como combustível automotivo, prática incentivada pelo subsídio que está sendo disseminada em larga escala, sem o necessário controle de segurança.

b. Óleo Diesel

O óleo diesel é obtido na proporção de 26 a 32% de cada barril de petróleo e se constitui, da mesma forma que o GLP, num "gargalo" na estrutura de refino brasileira.

O consumo de 18,752 milhões de m3 de óleo diesel em 1980, alcançou 29,262 milhões de m3 em 1995. Para atender a demanda interna, foram necessários a importação de 4,250 milhões de m3 em 1995.

O transporte rodoviário representa 74% do consumo de óleo diesel, ou 21,6 milhões de m3. Segundo dados do Sindipeças para o ano de 1992, o óleo diesel era basicamente consumido por uma frota de 1.806 mil utilitários, 1.035 mil caminhões leves e médios, 153 mil caminhões pesados, além de 185 mil ônibus.

Por outro lado, o setor agropecuário é responsável por 16,8% (4,9 milhões de m3) enquanto que a utilização do óleo diesel para geração de energia elétrica é relativamente pouco expressiva, representando 3,7% do consumo total (1,09 mil hões de m3).

c. Óleo Combustível

O consumo de óleo combustível no Brasil está decrescendo, passando de 18,207 milhões de m3 em 1980 para 11,821 milhões de m3 em 1995. Tal situação deve-se a uma redução na utilização do óleo combustível em caldeiras industrias, principalmente nos setores químico, cimento, alimentos e bebidas, e papel e celulose, que no conjunto, representam 40% do consumo.

No entanto, mantém-se o baixo custo do óleo combustível, o que continua impondo severas limitações a uma política de sua substituição, por exemplo, pelo gás natural.

Por outro lado, o consumo de óleo combustível para a geração de energia elétrica continua mantendo atualmente os mesmos níveis de consumo de 1980, da ordem de 1,0 milhão de m3, ou 8,5% do consumo total.

d. Gasolina

A gasolina é obtida no processo de refino do petróleo na proporção de 17 a 20%. Estas condições de produção tem criado um excedente em função de um nível de consumo praticamente estável, ao se considerar o volume de 11,526 milhões de m3 consumidos em 1980, e o volume de consumo de 11,741 milhões de m3 em 1994.

Tal situação tem transformado a gasolina automotiva em produto de exportação no mercado internacional, basicamente os EUA. Em 1980 foram exportados 359 mil m3 de gasolina representando 3% da produção decorrente da estrutura de refino brasileira. Em 1994, esta quantidade alcançou 3,002 milhões de m3, ou 20% da produção obtida naquele ano.

Por outro lado, conforme os dados para 1995, o volume de consumo alcançou 14,112 milões de m3, o que levou a um decréscimo no volume exportado, para 1,039 milhões de m3, ou menos de 7% da produção.

2. Carvão Mineral

O carvão mineral, enquanto fonte energética, tem uma participação pouco significativa no consumo energético brasileiro, muito embora os dados da Tabela 2 indiquem um aumento de 3,8% em 1980 para 5,1% em 1994. Estes dados de consumo de carvão mineral abrangem o carvão-vapor (ou carvão energético, utilizado como combustível nas usinas termelétricas) e o coque de carvão metalúrgico, produzido a partir do carvão metalúrgico.

Durante o período 1980-1994, verificou-se um vigoroso decréscimo da produção nacional do carvão metalúrgico. Esta produção, que era de 1,545 milhões de toneladas em 1980, passou a 499 mil toneladas em 1990, e a apenas 80 mil toneladas em 1995. Este declínio atingiu notadamente a região de Criciúma, no sul de Santa Catarina, onde a atividade mineira que já envolveu 12 mil postos de trabalho, atualmente emprega cerca de 3.200 mineiros de carvão.

O carvão metalúrgico é utilizado no setor siderúrgico, principalmente pelas grandes siderúrgicas integradas a coque (CSN, Usiminas, Açominas, CST e Cosipa). O consumo deste carvão, que passou de 5,694 milhões de toneladas em 1980 para 11,266 milhões de toneladas em 1995, encontrou na importação a solução para a garantia de suprimento. Atualmente, a dependência externa é de 99,5%, contra 74,5% em 1980.

Por sua vez, o carvão-vapor é utilizado como combustível nas usinas termelétricas localizadas em Santa Catarina (482 MW de potência instalada) e Rio Grande do Sul (650 MW de potência instalada). Em 1980, foram consumidas 3,034 milhões de toneladas de carvão-vapor, sendo 62% para geração elétrica (1,881 Mt). O restante foi consumido pelo setor industrial como combustível para produção de vapor e para aquecimento direto, basicamente pelas indústrias de cimento (555 mil toneladas) e em menor medida pelos setores de alimentos e bebidas (153 mt), cerâmica (134 mt), e de papel e celulose (109 mt). Já em 1995, foram consumidas 5,514 milhões de toneladas de carvão-vapor, mantendo-se a proporção de 62% para a geração termelétrica (3,631 Mt). O setor industrial, por seu turno, encontrou nas indústrias de cimento seu maior consumidor (746 mt), seguido da petroquímica (328 mt), papel e celulose (187 mt), alimentos e bebidas (193 mt) e cerâmica (145 mt).

Sob o ponto de vista ambiental, as atividades de extração, beneficiamento e estocagem do carvão mineral impõem severas alterações no meio físico das zonas carboníferas. O relevo e a paisagem sofrem um vigoroso processo de degradação em função da erosão e da indevida disposição final do material estéril (ou rejeito), resultante do processo de beneficiamento. Por outro lado, a necessidade de drenagem das minas, a água utilizada nos lavadores e os volumes de material estéril submetidos a ação das águas pluviais, acabam por comprometer a qualidade dos recursos hídricos nas zonas carboníferas. Os efluentes líquidos resultantes contém material particulado de finos em supensão e apresentam características ácidas. A acidificação é decorrente da oxidação de um de seus componentes - a pirita (composto de ferro e enxôfre) - em contato com a água. Através do processo de infiltração, estes efluentes atingem os lençóis freáticos subterrâneos, ou fluem diretamente para os corpos d'água superficiais.

Todavia, o processo de degradação ambiental tem sido ainda mais vigoroso na combustão do carvão mineral, através das emissões atmosféricas não apenas de CO2, como também de material particulado, CO (monóxido de carbono), hidrocarbonetos, óxidos de enxôfre e de nitrogênio. A qualidade do carvão mineral brasileiro fica comprometida devido ao seu alto teor de cinzas, na faixa de 20-55%, e devido ao alto teor de enxôfre, na faixa de 1,5-4,4%.

Embora a legislação ambiental brasileira indique limites as emissões atmosféricas resultantes dos processos de combustão do carvão mineral, seja nas usinas termelétricas, nas coquerias das siderúrgicas ou nas indústrias de cimento, papel e celulose, entre outras..., a acidificação atmosférica decorrente da sua utilização tem alcançado proporções crescentes.

3. Gás Natural

O gás natural talvez seja a fonte energética em torno da qual os "negócios energéticos" vão encontrar maiores possibilidades de articulação. Os planos de ampliação da inserção do gás natural na matriz energética apontam para soluções que apenas ampliam o processo de degradação sócio-ambiental, tornando-as insustentáveis.

Com uma participação pífia no consumo energético por fonte, conforme indicam os dados da Tabela 2, representando em 1990 apenas 2,3 % do consumo total, enquanto que os dados internacionais para o ano de 1988 já indicavam uma participação do gás natural da ordem de 20% do consumo total mundial. Este aspecto é importante para a compreensão da forma como os "negócios" estão sendo conduzidos. Ele apresenta o investimento no aproveitamento do gás natural como um ato de modernização do país, ao apontar a utilização de um combustível "limpo" como alternativa energética. Até aqui, sem problemas. Estes começam quando o mesmo argumento é utilizado para justificar investimentos de US$2 bilhões para a construção de um gasoduto de 3,4 mil km de extensão para tornar disponível 8 milhões de m3/dia do gás da cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra para um mercado considerado apenas "factível", e que ainda permanece incerto, principalmente se o preço do gás for confrontado aos preços dos demais combustíveis a serem "substituídos".

A construção do gasoduto envolve hoje a Petrobrás, a Tenecco dos EUA, a BHP da Austrália, a British Gas da Inglaterra, além da YPFB da Bolívia, associada a ENRON dos EUA.

A solução para "garantir o mercado" parece apontar para a utilização do gás natural disponível como combustível para geração termelétrica. Dessa forma, articula-se a possibilidade de se atrair o capital privado para investimentos em geração elétrica que tenham prazos de amortização menos longos que os impostos pelos empreendimentos hidrelétricos. Numa situação como a do sudeste do país, onde os grandes negócios com a geração hidrelétrica parecem estar esgotados, mostra-se atraente a mobilização de recursos consideráveis, da ordem de 3.500 dólares/kW instalado, para unidades de 200-300 MW implantadas ao longo do gasoduto e próximas dos principais centros de carga existentes no trajeto. Certamente, não faltarão esforços no sentido de assegurar uma eficiência no processo de conversão, hoje próximas a 43% se considerarmos as plantas termelétricas a ciclo combinado em operação atualmente nos EUA. Nada mais "moderno", se comparado com as eficiências que hoje caracterizam as termelétricas a carvão de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ou os grupos geradores a óleo diesel ou óleo combustível que hoje asseguram algumas horas por dia de eletricidade nas comunidades atendidas pelos sistemas isolados.

Enquanto isso, cerca de 3,1 milhões de m3/dia são hoje queimados como gás natural associado não aproveitado nos poços de extração de petróleo. Este volume representa 15,3% da produção total, da ordem de 20,151 milhões de m3/dia. Deste total 44,3% é comercializado e os 40,4% restantes é reinjetado.

Se considerarmos a primeira etapa do contrato, já assinado com a Bolívia por um prazo de 20 anos, o Brasil hoje desperdiça quase 40% da quantidade de gás que está prevista pelo acordo até 2004.

Por outro lado, a penetração do gás natural como combustível automotivo, principalmente em substituição ao diesel utilizado no transporte público urbano e metropolitano, não merece atenção dos atuais formuladores da política energética brasileira.

Da mesma forma que o aproveitamento do gás hoje queimado, ser considerado economicamente inviável, também sua utilização como combustível automotivo é vista com reservas. Nem mesmo os benefícios em termos da melhoria da qualidade do ar nos grandes centros urbanos brasileiros parece sensibilizar nossos policy makers.

4. Lenha e Carvão Vegetal

Enquanto em setores como o residencial se observa uma redução no consumo de lenha, no setor industrial houve um crescimento significativo. Para o setor residencial, tal comportamento corresponde a mudanças de alguns hábitos de consumo e a oferta de outros energéticos, uma vez que a lenha foi sendo substituída pelo GLP na medida em que se intensificava a taxa de urbanização no País.

No que diz respeito ao setor industrial, a dendroenergia representa atualmente cerca de 32% do consumo energético associado a combustíveis, destacando-se as agroindústrias, as indústrias têxteis, as cerâmicas e as plantas de produção de papel e celulose. Também contribui o setor de transformação que responde por mais de 44% da demanda, cujos requerimentos de lenha estão associados a produção de carvão vegetal, principalmente destinado ao setor siderúrgico. As carvoarias acompanhadas pela ABRACAVE em 1993 produziram cerca de 32,5 milhões de metros cúbicos de carvão, consumindo 132 milhões de metros cúbicos de lenha.

Apenas o consumo industrial difuso, representado pelas indústrias cerâmicas e de alimentos e bebidas, respondem por dois terços da demanda industrial de lenha. Caso se exclua a demanda de bagaço (usinas de açúcar e álcool) e a energia elétrica, a lenha responde por 67% da demanda de combustíveis do setor de alimentos e bebidas. Igualmente, ao excluir-se o licor negro (um subproduto da lenha) e a eletricidade nas plantas de papel e celulose, a lenha passa a significar 40% do consumo de combustíveis.

Dentre os segmentos industriais que compõem o setor siderúrgico a carvão vegetal no Brasil, incluem-se as usinas integradas a aço, os produtores independentes de ferro-gusa e as indústrias de ferro-ligas. Junto, o setor siderúrgico tem sido responsável por cerca de 80% do consumo industrial anual de carvão vegetal. Além do setor siderúrgico, o carvão vegetal é utilizado em volumes significativos como insumo energético em parte do setor de cimento, responsável por cerca de 5% do consumo anual total, e pelos metais primários, nos quais se inclui a produção de chumbo, estanho, níquel, silício e zinco, responsáveis por cerca de 4,8% do consumo industrial anual de carvão vegetal.

O maior impacto ambiental do uso energético da lenha e carvão vegetal é o desmatamento induzido de floresta nativa. Associado ao processo de desmatamento está a perda da biodiversidade, aceleração da erosão e perda da fertilidade do solo, contribuindo para o avanço do processo de desertificação. O IBAMA tem exigido a implantação de Planos Integrados de Florestamento para assegurar a produção renovável do carvão vegetal. A perspectiva era de atingir 70% de reflorestamento em 1992, aumentando regularmente até atingir 100% em 1995. No entanto, esta exigência, vem sendo sistematicamente desrespeitada. Estima-se em cerca de 515 mil hectares a área desmatada anual para atender as necessidades energéticas das usinas integradas ao carvão vegetal: 82% de origem nativa e apenas 18% obtida através do reflorestamento. Por outro lado, estima-se em 5 a 7 milhões de hectares, a área atualmente ocupadas pelos eucaliptais, cuja utilização é mais expressiva como insumo no setor de papel e celulose.

5. Produtos da cana: álcool e bagaço

O PROÁLCOOL-Programa Nacional do Álcool, criado em novembro de 1975, é hoje a expressão mais elaborada das dificuldades de implementação de um programa de substituição de combustíveis fósseis sob ação exclusiva dos mecanismos de mercado. É também o exemplo mais evidente de como eventuais benefícios ambientais são apropiados para manter privilégios.

Quando o programa foi criado, a produção brasileira de álcool etílico era de 580 milhões de litros, apurada na safra 75/76. Cinco anos mais tarde, a produção já alcança 3,676 bilhões de litros, para atingir 11 bilhões de litros na safra 85/86. Se considerarmos que a produção atual se mantém nesta mesma ordem de grandeza, podemos afirmar que toda a base produtiva do Proálcool foi estabelecida nos primeiros dez anos.

No período 75/79 foram investidos cerca de US$ 1,02 bilhões, 75% dos quais originários de recursos públicos. No período 80/86 foram investidos cerca de US$ 5,7 bilhões, 55,5% dos quais também originários de recursos públicos. Ou seja, para assegurar o crescimento da produção de álcool etílico durante os primeiros dez anos foram utilizados cerca de US$ 3,93 bilhões originários de fundos públicos. Atualmente, as dívidas do setor sucroalcooleiro alcançam US$ 5 bilhões somente junto ao Banco do Brasil, sem perspectiva alguma de pagamento.

O crescimento da produção de álcool etílico foi também assegurado pelo aumento da área total de cana plantada. Na safra 75/76, a área era de 1,969 milhões de ha para uma quantidade colhida de cana de 91,5 milhões de toneladas, representando um rendimento médio da ordem de 46,47 t/ha. Na safra 90/91, a área de plantio atingiu 4,3 milhões de ha para uma produção de 222 milhões de toneladas de cana, com um rendimento médio de 51,63 t/ha.

As consequências do aumento da área de plantio da cana podem ser avaliadas pelos dados referentes ao processo de substituição de culturas no Estado de São Paulo, responsável atualmente por cerca de 2/3 da produção nacional de álcool etílico. No período 77-89, a área cultivada pela cana aumentou 619,6 mil ha, em detrimento das culturas do café, feijão, amendoim, arroz e mandioca. Considerando-se que 30% desta substituição envolveu áreas de pastagens, esse processo atingiu cerca de 30 mil famílias rurais (ou cerca de 120 mil pessoas), entre as quais uma parte significativa se converteu em população assalariada absorvida pela sazonalidade dos empregos "gerados" pela cana.

De qualquer forma, o argumento de que o setor sucroalcooleiro é responsável por cerca de 290 mil empregos diretos no Estado de São Paulo, e de que em termos nacionais é reponsável por 700 mil empregos diretos, aos quais são sempre acrescentados outros 600 mil empregos indiretos, tem sido utilizado com frequencia, sobretudo quando o Proálcool é colocado em questão.

Outro argumento utilizado com frequência se refere aos benefícios de ordem ambiental decorrentes da substituição da gasolina pelo álcool etílico. O exame desta questão deve levar em conta a distribuição da produção atual, de cerca de 10,5 bilhões de litros do álcool hidratado e 1,3 bilhões de litros do álcool anidro.

O primeiro é utilizado como combustível para uma frota estimada em 4,5 milhões de veículos, cerca de 33% da atual frota circulante nacional. O segundo é adicionado a gasolina, na proporção de 22%, atuando como anti-detonante, o que permitiu a substituição do venenoso chumbo tetra-etila numa frota de "veículos a gasolina" que hoje é da ordem de 8 milhões de veículos.

Convém ainda não esquecer o metanol, importado sempre que uma crise de desabastecimento coloca em risco a confiabilidade do programa. Crise essa, via-de-regra resultante da reorientação de produção que a cultura canavieira no Brasil costuma dar, sempre que o açúcar acena com preços mais atraentes no mercado internacional. Na última safra, p.ex., houve a necessidade da importação de 1,1 bilhões de litros de etanol, além de 660,8 milhões de litros de metanol.

Sem dúvida, o coquetel de emissões formado pelo monóxido de carbono, hidrocarbonetos, óxidos de nitrogênio e de enxôfre, além de metais pesados como o chumbo, seria bem mais prejudicial para a saúde humana que vive hoje nas grandes aglomerações urbanas brasileiras, não fosse esse mix constituído pela gasolina, etanol e metanol.

Por outro lado, é importante também lembrar as consequências da utilização do expediente das queimadas, realizadas nos períodos secos (julho a setembro), com o objetivo de facilitar a colheita. Nestes períodos, verifica-se um significativo aumento das concentrações de monóxido de carbono (CO) e de ozônio (O3), além de material particulado, hidrocarbonetos, óxidos de nitrogênio e dióxido de carbono (CO2), este último na proporção de 2,1 t CO2 por hectare de cana queimada.

Outros aspectos que indicam os limites da sustentabilidade da produção de cana com vistas a produção do álcool combustível dizem respeito a significativa utilização de água nas diversas etapas do processo industrial, além do vinhoto resultante do processo de concentração, fermentação e destilação do caldo de cana para a produção do álcool.

6. Hidreletricidade

O consumo de energia elétrica no Brasil passou de 122,7 TWh (bilhões de kWh) em 1980, para 264,6 TWh em 1995. Este crescimento no consumo foi assegurado por uma expansão da capacidade instalada da ordem de 24,2 GW (milhões de kW), dos quais 22,3 GW ou 92% foram obtidos através de grandes empreendimentos hidrelétricos.

Muito embora a hidreletricidade não contribua para o aumento das emissões de CO2, o Brasil carrega um passivo sócio-ambiental extremamente expressivo, se considerarmos que as usinas hidrelétricas construídas até hoje resultaram em mais de 29.000 km2 de terras inundadas para a formação dos reservatórios, e na expulsão - ou, "deslocamento compulsório" - de cerca de 200 mil famílias, todas elas populações ribeirinhas diretamente atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos implantados.

Uma análise da forma de relacionamento que o setor elétrico estabeleceu com estas populações, ao longo do período de implantação de cada empreendimento, permite afirmar que a estratégia do "fato consumado" esteve presente em, praticamente, todos os empreendimentos de grande porte conduzidos pelas empresas estatais.

Ao mesmo tempo em que a alternativa hidrelétrica era apresentada como uma fonte energética "limpa, renovável e barata", e que cada usina hidrelétrica era justificada em nome do interesse público, da modernização, do progresso, ou do desenvolvimento", as populações ribeirinhas tiveram suas bases materiais e culturais de existência praticamente ignoradas.

As grandes usinas hidrelétricas promoveram o deslocamento forçado destas populações, acompanhado por compensações financeiras irrisórias e, por vezes, inexistentes; o processo de reassentamento, quando houve, procurou sempre ignorar de forma deliberada, diferenças étnicas, e não assegurou a manutenção das condições de vida anteriormente existentes. Na área das barragens ocorreram diversos problemas de saúde pública, como o aumento de doenças de natureza endêmica, o comprometimento da qualidade da água nos reservatórios, afetando atividades como pesca e agricultura; e, de problemas de segurança das populações, com o aumento dos riscos de inundação a jusante das barragens decorrentes de problemas de operação das mesmas. Ainda, grandes quantidades de terras cultiváveis ficaram submersas e, em muitos casos, a perda da biodiversidade se procedeu de forma irreversível.

Apenas 24% da energia elétrica assim obtida é consumida pela população brasileira através do consumo domiciliar, considerando o consumo total de energia elétrica de 235,6 TWh em 1994. Cerca de 52% desta eletricidade é dirigida para o consumo industrial no Brasil.

Em termos absolutos, os domicílios urbanos e rurais brasileiros dobraram o consumo durante os anos oitenta, passando de 23,2 TWh em 1980 para 48,7 TWh em 1990. Entretanto, a taxa de eletrificação domiciliar é de 74,2%. Isso significa que aos 4,35 milhões de domicílios sem eletricidade devem ainda ser considerados outros 4,84 milhões de domicílios que só tem acesso a energia elétrica através de ligações clandestinas, com os riscos de segurança que lhes são característicos. Ou, como auto-produtores nas regiões não atendidas pela rede, através da utilização de pequenos geradores alimentados por algum dos derivados de petróleo que se prestam para este fim (óleo combustível, diesel, ou gasolina); ou mesmo, por meio de baterias automotivas, que guardam o incoveniente da necessidade de constante recarga.

O acesso a rede elétrica é mais crítico nas áreas rurais, onde 3,7 milhões de domicílios não estão eletrificados. Se consideramos os 644 mil domicíos urbanos sem eletricidade, são 20,4 milhões de habitantes ainda privados da eletricidade.

Para a população que vive nos domicílios eletrificados, e que paga tarifas atualmente na ordem de 120 US$/MWh, o aspecto da renda familiar e sua relação com o consumo domiciliar está indicado no quadro 2.6.1., que apresenta dados referentes a um estudo realizado nos domicílios paulistas localizados na área de concessão da Eletropaulo.

7. Energia nuclear

A primeira usina termonuclear brasileira (Angra I) começou a operar em 1985. Trata-se de um reator da empresa norteamericana Westinghouse, do tipo PWR (reator de água pressurizada) com 627 MW de potência instalada. Desde o início de operação, Angra I já sofreu mais de 20 paralizações, além de operar com baixo fator de utilização. Problemas nas condições de operação do trocador de calor, fundamental para assegurar o processo de produção de vapor, tem se constituído numa das principais causas das paralizações. O futuro descomissionamento da usina também apresenta problemas, bem como a disposição final dos rejeitos de alta radioatividade.

A despeito deste problemas, o Brasil segue mantendo o Acordo Nuclear com a Alemanha, assinado em 1975, e que prevê a implantação de oito usinas nucleares. Atualmente, apenas dois reatores da empresa alemã KWU estão em construção - Angra II e Angra III.

Cerca de 70% das obras civis da usina de Angra II estão concluídas. Segundo Furnas, a empresa concessionária de energia elétrica responsável pelo cumprimento do acordo, cerca de US$ 5 bilhões já foram gastos e outros US$ 1,5 bilhões são necessários para finalizar as obras, valores que são contestados por pesquisadores sobre o assunto.

Por outro lado, o programa nuclear brasileiro abrange também o desenvolvimento do projeto de construção do submarino a propulsão nuclear, envolvendo instituições como o IPEN/SP e a Marinha do Brasil, e instalações como o Centro Experimental Aramar/SP (identificada por uma placa como "Estação de ensaios de equipamentos a vapor"). A manutenção do caráter sigiloso deste tipo de projeto, e as dificuldades de acesso a informações confiáveis com respeito as instalações de Iperó/SP (enriquecimento de urânio por ultracentrifugação e protótipo do reator para o submarino) e na Serra do Cachimbo/PA (provável local para testes nucleares), apenas indicam que o grau de apreensão permanece acentuado, o que tem alimentado o crescente questionamento com respeito ao uso militar da energia nuclear no Brasil.

8. Fontes não-convencionais

A produção de energia no Brasil a partir das assim denominadas fontes não-convencionais (solar, eólica, e de biomassa), aproveitando recursos energéticos locais, disponíveis em larga escala, e localizados em regiões de difícil atendimento pelos sistemas convencionais, se constitui numa alternativa de atendimento ainda inexpressiva, notadamente com relação as populações que habitam as assim denominadas comunidades isoladas, ou os bolsões de pobreza disseminados em diversas regiões do país.

Alguns estudos tem demonstrado que, dependendo da distância a rede, do número de domicílios a serem atendidos, e da carga a ser suprida, a geração de eletricidade a partir de células fotovoltaicas já se apresenta como "mais vantajosa", se comparada com os custos médios de eletrificação. Entretanto, tais investimentos não tem o retorno assegurado, face as condições de pobreza que hoje caracterizam as populações a serem beneficiadas. O resultado é que a alternativa fotovoltaica acaba se tornando possível, apenas através da caridade com que empresas públicas e organismos internacionais de financiamento destinam recursos para esse fim.

No que diz respeito a geração eólica, pode-se assinalar duas experiências: a primeira desenvolvida pela CELPE/UFPE, com um aerogerador de 75 kW instalado na Ilha de Fernado de Noronha; e a segunda, pela CEMIG, com um grupo de 4 aerogeradores de 250 kW cada, instalado no morro do Camelinho/MG, e conectado a rede.

Por outro lado, o aumento e o receio da escassez do petróleo em 1973, estimulou estudos quanto ao uso de outros energéticos oriundos da biomassa nacional: babaçu (Projeto Babaçu), etanol de amiláceos e de materiais celulósicos (Usina de Caucaia/CE e de Curvelo/MG, Projeto Coalbra/MG), metanol de madeira (Projeto Metanol/CESP), óleos vegetais (Cenpes, CEPED), resíduos orgânicos (CESP, Comgás, Sabesp em São Paulo e Sanepar/PR), resíduos industriais, urbanos e rurais. Apesar do grande potencial estimado, estes projetos não atraíram o interesse empresarial, caindo no esquecimento após o contra choque do petróleo, por sua baixa rentabilidade.

9. Distribuição do consumo energético final

*(atualizar para 1995)

A Tabela 3, apresentada a seguir, indica os dados em termos percentuais, relativos a distribuição do consumo energético final medido em tep, segundo o setor e a forma de energia secundária utilizada no Brasil, para o ano de 1994.

Tabela 3: Distribuição do consumo energético final,
segundo o setor e a forma de energia secundária utilizada, Brasil, 1994 (em %)

 

SETORES

Deriv. de Petróleo

Gás nat./Carv. min.

Lenha/
Carv.Veg.

Alcool/ Bagaço

Eletri-
cidade

Total

Geral

energético

5,7

9,0

-

36,2

3,3

7,6

mineração

1,0

1,4

-

-

2,6

1,4

agropecuário

6,2

-

9,6

-

3,3

4,3

indústria pesada

10,7

76,4

35,1

0,5

32,7

25,9

indústria leve

4,0

4,8

12,2

29,3

15,5

11,9

transporte

48,1

-

-

32,4

0,4

19,3

residencial

9,0

0,7

42,6

-

22,3

16,1

comércio/serviços

1,0

0,7

0,5

-

11,5

4,8

público

0,3

-

-

-

8,4

3,3

uso não-energ.

14,0

7,0

-

2,1

-

5,4

Total geral

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Elaboração própria. Fonte: MME - Balanço Energético Nacional, 1995.

Foram consideradas como atividades industriais que compõem o, aqui denominado setor da indústria pesada as seguintes atividades consideradas nos dados desagregados do Balanço Energético Nacional: cimento, ferro-gusa e aço, ferro-ligas, não-ferrosos e outros da metalurgia, química, papel e celulose e cerâmica.

Conforme a Tabela 3, estas atividades são responsáveis por 26% do consumo energético total no Brasil. O setor de transporte corresponde a 20% do consumo energético total. Estes são os dois setores que podem ser identificados como prioritários para qualquer plano ou programa de reestruturação da política energética brasileira em bases sustentáveis.

 


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